No Brasil a gente diz, ou pelo menos
dizia, que queria que os filhos casassem bem para limpar o sangue.
Limpar o sangue! Limpar o sangue queria
dizer casar com alguém da pele mais clarinha em vez de casar com
alguém da pele escura. Era pra tirar a negritude do sangue.
Embranquecer a família. Porca miséria! Como se isso fosse bom!!!!
Limpar o sangue!
É. Limpar o sangue. Nessa de limpar o
sangue, eu perdi a boa pele de índio da que minha vó ainda pegou da
família da minha bisa. Eu ainda dei a sorte de ter carinha de
menina. Mas a pele que não envelhece nunca, essa eu não peguei.
Peguei a pele de branco mesmo. Vai ficar enrrugadinha quando ficar
velhinha. Pobres dos meus filhos, pois eu casei com um mais branco
que eu. Aliás, ele nem acha que eu sou branca! Me faça uma garapa!
Pobres dos meus filhos...
Nessa de limpar o sangue, eu perdi o
cabelo escuro de minha bisa até os 86 anos. Minha bisa. Pois é, aos
86 anos, minha bisa tinha um punhado de cabelos brancos, e a maior
parte da cabeleira toda negra. Já eu, nessa de limpar o sangue,
desde os 17 anos eu tenho esses fios de cabelo branco me atazanando o
juízo!
Pois é. Limpar o sangue. Nessa de
limpar o sangue, as coisas boas das etinias não-brancas foram-se
esvaindo, esvaindo … e a única coisa que que a parte escura da
minha herança me deixou foi essa nhaca de preto. Sabe aquele fedor
que todo mundo que tem que entrar em ônibus lotado ao meio-dia em
Salvador da Bahia conhece bem? Esse aí mesmo! Nessa de limpar o
sangue só me sobraram duas sílabas: cêcê!
Nenhum comentário:
Postar um comentário