segunda-feira, agosto 13, 2012

Limpar o sangue

No Brasil a gente diz, ou pelo menos dizia, que queria que os filhos casassem bem para limpar o sangue.

Limpar o sangue! Limpar o sangue queria dizer casar com alguém da pele mais clarinha em vez de casar com alguém da pele escura. Era pra tirar a negritude do sangue. Embranquecer a família. Porca miséria! Como se isso fosse bom!!!! Limpar o sangue!

É. Limpar o sangue. Nessa de limpar o sangue, eu perdi a boa pele de índio da que minha vó ainda pegou da família da minha bisa. Eu ainda dei a sorte de ter carinha de menina. Mas a pele que não envelhece nunca, essa eu não peguei. Peguei a pele de branco mesmo. Vai ficar enrrugadinha quando ficar velhinha. Pobres dos meus filhos, pois eu casei com um mais branco que eu. Aliás, ele nem acha que eu sou branca! Me faça uma garapa! Pobres dos meus filhos...

Nessa de limpar o sangue, eu perdi o cabelo escuro de minha bisa até os 86 anos. Minha bisa. Pois é, aos 86 anos, minha bisa tinha um punhado de cabelos brancos, e a maior parte da cabeleira toda negra. Já eu, nessa de limpar o sangue, desde os 17 anos eu tenho esses fios de cabelo branco me atazanando o juízo!

Pois é. Limpar o sangue. Nessa de limpar o sangue, as coisas boas das etinias não-brancas foram-se esvaindo, esvaindo … e a única coisa que que a parte escura da minha herança me deixou foi essa nhaca de preto. Sabe aquele fedor que todo mundo que tem que entrar em ônibus lotado ao meio-dia em Salvador da Bahia conhece bem? Esse aí mesmo! Nessa de limpar o sangue só me sobraram duas sílabas: cêcê!

Nenhum comentário: